COMUNICAÇÃO E FRATERNIDADE SOB A VISÃO ESPÍRITA

bom dia verdade luz

 

 

Comunicação e Fraternidade

Oração Inicial:

Senhor Jesus, aqui estamos nós, mais uma vez, reunidos em teu nome, com o objetivo de buscar o aprendizado de tuas leis, com a luz que o Espiritismo nos traz. Fica conosco nesta noite, trazendo as boas vibrações de amor e de paz, que farão com que aproveitemos ao máximo tudo o que será realizado nesta oportunidade. Que os amigos da espiritualidade maior possam nos abençoar, em especial a nosso amigo Signates que terá a responsabilidade pela condução do tema da noite. E que possamos agradecer, de antemão, por tudo o que receberemos nesta noite. É em teu nome, Jesus, em nome dos amigos espirituais que dirigem esta tarefa e, sobretudo, em nome de Deus, que damos por iniciada a palestra virtual da noite de hoje.

Que assim seja!

Apresentação do Palestrante:

Boa noite, amigo Jailton. Boa noite a todos. É para mim um enorme prazer compartilhar com vocês o que tem sido o meu estudo já há alguns anos. Sou jornalista, professor de Comunicação Social da Universidade Federal de Goiás, atualmente licenciado para cursar o doutorado em rádio e televisão na Universidade de São Paulo. Sou espirita desde 1976, estando a serviço da Federação Espírita do Estado de Goiás desde 1980, onde hoje ocupo o cargo de vice-presidente para assuntos de comunicação social espírita. Estou, nestes dias, preparando um livro, fruto de uma série de pesquisas que tenho feito, sobre teoria social espírita, com base na ética comunicativa ou ética de fraternidade, que é o tema que lhes trago hoje. (t)

Considerações Iniciais do Palestrante:

A comunicação tem sido usualmente pensada como emissão de uma mensagem de um emissor a um receptor. Essa visão nasceu das metáforas do transporte e do comércio, utilizadas para definir os resultados das novas tecnologias de comunicação, que surgiam no final do século XIX; e se reforçou depois com a utilização brutal dessas tecnologias durante a II Guerra Mundial, quando a adesão das populações às mensagens emitidas pelo rádio se mostrou expressiva. Com o tempo e o aperfeiçoamento dos estudos e pesquisas nos campos das ciências humanas e sociais, especialmente da psicologia, da sociologia e da linguagem, tornou-se necessária ao menos uma distinção, entre as “teorias da informação”, de abordagem condutivista, que lidam com máquinas e aparelhos, e as “teorias da comunicação”, de índole sócio-construtivista, orientadas para o estudo da interação entre seres humanos. O que ocorre quando alguém fala e outro entende? Hoje sabe-se que, entre seres humanos, não há rigorosamente “cópia” de informação (como ocorre agora entre computadores, por exemplo). As pessoas “funcionam” diferente. Mas, como?…

passarinhos

Sem pretendermos dar uma resposta definitiva, trabalhamos hoje com dois conceitos básicos de comunicação:

O primeiro, com origem nas ciências da linguagem, segundo o qual a comunicação é a construção mútua de significados, a partir do repertório de saberes e experiências dos sujeitos em interação. Isso quer dizer que quando alguém fala, isto é, quando produz um texto (escrito ou falado, não importa), ele se utiliza dos recursos disponíveis na cultura em que está mergulhado e empresta um sentido que lhe é subjetivo (apenas ele sabe de fato o que ele quer dizer). O outro que o escuta procede da mesma forma: toma dos próprios saberes e experiências (minimamente compartilhados, senão não haveria inteligibilidade) e os utiliza para interpretar o que foi dito.
A comunicação seria, portanto, nesse primeiro sentido, um fenômeno humano altamente complexo, dentro do qual jamais existe garantia plena de que a interpretação de quem fala coincide com a de quem ouve, embora sempre os interlocutores a busquem na esperança de que essa coincidência exista (há autores que falam em uma “similaridade des-coincidente de significados”).
Aplicado ao Espiritismo, esse primeiro conceito de comunicação dá-nos oportunidade de fazer uma séria reflexão em relação ao que temos chamado de “visão comunicativa do Espiritismo”. A visão comunicativa do Espiritismo é a que compreende que toda interação – inclusive com os espíritos, sem excetuar neste exemplo o próprio processo da codificação – se constitui a partir de uma partilha de significações, e não da mera transferência de informações do mundo espiritual para o mundo físico.
Não há, pois, “Espiritismo puro”, isto é, isento dos contextos socioculturais da época em que o espírito se comunica ou em que a comunicação é recebida ou lida, sendo por isso que, em Kardec, a doutrina se constrói a partir da racionalidade positivista, e sendo também por isso que, no Brasil, ela adquire uma conotação religiosa e terapêutica. Os espíritos falam a partir de uma cultura específica e, ao se comunicarem, são obrigados a usar os referenciais da cultura do grupo social com o qual falam, a fim de não serem rejeitados.
Tal realidade faz do Espiritismo uma doutrina e um movimento inseridos em contextos específicos, que se alteram, de forma irremediável, quando esses contextos são alterados. Trata-se, pois, de uma visão dinâmica e dialética do Espiritismo, que nos remete a questões epistemológicas da maior importância (se houver interesse, poderemos discuti-las durante os debates). Entretanto, a transformação do conceito de comunicação não traz reflexões apenas ao campo da epistemologia, mas, também e sobretudo, ao campo da ética. E isso, por duas razões básicas, uma histórica e outra política.
A razão histórica é que o desenvolvimento das tecnologias e instituições de comunicação contemporâneas surgiu basicamente a partir de interesses econômicos e militares. Metáforas como “público-alvo”, “estratégia de marketing”, etc., surgem daí. A ideia de um emissor atirando mensagens em um receptor é o relato da busca de dominar o outro, de fazê-lo pensar, dizer e agir conforme o emissor tenha planejado. E é então que emerge a razão política: a interpretação diferente que alguém possa fazer da mensagem, a apropriação dos conteúdos e formas para construções diferenciadas de significados e sentidos, é vista como “defeito” do sistema. Em termos políticos, a liberdade e a autonomia das pessoas é, por princípio, indesejável e problemática para o pensamento condutivista em comunicação. E é aí que nasce a questão ética da comunicação, que redireciona mais uma vez a definição da palavra e, aplicada ao Espiritismo, traz profundas conseqüências. Em outros termos a comunicação passa a ser definida não somente como a partilha de significações e sentidos entre interlocutores que jamais têm a segurança de que são ouvidos e compreendidos como gostariam. Comunicação passa a ser definida como busca de entendimento com o outro, no respeito à diferença dele.
A filosofia social tem chamado isso de “ética comunicativa”, tornando possível falar-se em agir ou não “comunicativamente” com os outros. A partir do Espiritismo, emerge aí uma substancial ética de fraternidade. Uma visão espírita da comunicação a definiria não a partir da metáfora condutivista, de “emissor, meio, mensagem e receptor”, ou seja, trabalhando a ideia de que “somos emissores que temos uma mensagem e nosso dever é divulgá-la aos diferentes ‘públicos-alvos’ disponíveis” – até porque saberemos que nossa mensagem estará sendo constantemente reconstruída. Toda a nossa “segurança” ou a nossa pretensiosa “pureza” doutrinária sofre as naturais refrações e difrações durante os processos de leitura. Eu mesmo, aqui com vocês, não estou livre disso. A noção de “divulgação doutrinária”, assim, passa a ser uma variável dependente de outra noção, mas ampla e exigente: a de comunicação entendida como uma ética específica de relacionamento social.
Em outras palavras, não faz sentido se “divulgar” a mensagem se a relação estabelecida não for “comunicativa”, isto é, não for orientada à compreensão, ao entendimento, ou, enfim, à fraternidade. Não basta divulgar: é preciso comunicar-se; o que quer dizer: não basta pregar o Espiritismo: é preciso construir uma relação de fraternidade com os outros, sendo contraditória toda fala espírita na qual o amor esteja ausente. Constitui-se, assim, o vínculo indissolúvel entre comunicação e fraternidade, que é o nosso tema de hoje.

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A comunicação social, para ser espírita, precisa praticar a ética da fraternidade. Mas… o que é fraternidade? Dispensando fundamentações acadêmicas, definimos logo de saída que fraternidade é a relação pacífica com a diferença dos outros. Verifica-se a fraternidade pela prática de quatro atitudes éticas indispensáveis, a saber:
1 – A não indiferença para com o outro: O outro jamais é anulado ou cai no vazio da indiferença social. Ao contrário, sua presença constitui acontecimento relevante, diante do qual o eu se coloca de pé, pronto para a relação solidária;
2 – A aceitação da diferença do outro: O outro é reconhecido enquanto tal, e não submetido aos conceitos aprioristicamente construídos pelo eu. O elemento definidor da alteridade é, justamente, a estranheza, o desconhecimento e a infinitude do outro. Tal estranheza, em um contexto de solidariedade, poderá sempre ser manifesta, sem implicar em guerra entre os sujeitos em interação;
3 – O aprender com a diferença do outro: Ciente de que ninguém sai ileso de uma interação solidária, o eu se distingue pela disponibilidade para o aprendizado com o outro, na medida em que identifica no reconhecimento da diferença, enquanto lugar do desconhecido, o espaço do aprendizado possível e, portanto, da mudança. Esse procedimento é o inverso da busca pela conversão do outro, que pode ser traduzida como a anulação ou a redução do outro ao espaço predefinido do eu;
4 – O amar o outro na diferença dele: O eu se faz sempre disponível a entregar-se, exercendo autonomamente uma heteronomia empática que, no entanto, não o torna escravo do outro nem elimina a identidade que lhe assegura essa autonomia. A empatia significa um deixar-se levar por exercício da própria vontade, em relação ao outro e às suas necessidades e carências. Observe-se que a solidariedade, enquanto comunicação plena, se inicia não no eu, mas no outro. Isso não implica, entretanto, uma heteronomia, no sentido de perda da identidade do eu, diante do império avassalador da diferença alheia. De forma alguma. O gesto solidário é, sobretudo, um ato de autonomia, mas trata-se uma autonomia típica, que se faz responsável pelo outro, que escolhe o respeito infinito pela diferença que o torna outro e se interessa sobretudo pela interação que lhe proporcione felicidade e paz. O gesto solidário é o ato de amor, cuja capacidade altruísta modifica as relações sociais de forma a fundar a convivência não violenta e pacífica.
Aplicados ao Espiritismo, esses conceitos têm interessantes repercussões. Especificamente na prática espírita, a não-indiferença se estabelece na busca do outro, para entretecer com ele a relação solidária, antes mesmo que o outro nos procure. A aceitação da diferença implica, contudo, uma mudança de atitudes, porquanto ainda vivemos uma fase cultural no movimento espírita de grande preocupação com a manutenção e a salvaguarda da própria identidade cultural, o que pode significar o desenvolvimento de formas diversas de preconceito, discriminação e marcação negativa de diferenças, especialmente relacionadas a outras práticas religiosas e opiniões filosóficas.
A desistência da guerra e da disputa de sentidos é uma das mais necessárias condições de existência da fraternidade, para o mundo contemporâneo. Os espíritas não parecem tão fora assim dessa necessidade. O sujeito fraterno e solidário jamais vê a diferença como condição de inferioridade no outro. Por tal razão, nunca se estabelece numa relação de subalternidade, ainda que disfarçada no rótulo de “necessitado” ou “assistido”. O outro, na condição de ser diferente que se torna próximo (a fraternidade, dentro de uma terminologia especificamente cristã, é exatamente a ação que promove a proximidade, garantindo a diferença do outro), diante de nós é sempre alguém cuja diferença leciona para a nossa ignorância ou oferta-nos a novidade capaz de nos transformar.
Uma postura autoritária percebe a diferença do outro como erro a ser alterado pela intervenção do eu; uma postura fraterna vê na alteridade o momento do aprendizado e renovação de si mesma. E o amor, por fim, gera, na estrutura espírita de pensamento, o fundamento do gesto de caridade, enquanto oferta sem espera de reciprocidade. É esta ausência de pretensões capaz de garantir o amor como algo diferente de uma relação comercial, de troca, o sentimento capaz de promover e estimular a solidariedade para com os outros, na teia das relações sociais. Se lermos os Evangelhos e a literatura básica do Espiritismo, veremos com facilidade que a ética da fraternidade assim definida está inteiramente configurada em nossos textos fundamentais. Resta-nos praticá-la, fundando no mundo a sociedade dos discípulos de Jesus, os quais, segundo Ele próprio, seriam reconhecidos pelo muito que se amarem. Muito obrigado a todos!

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Perguntas/Respostas:

[01] Verdade e fraternidade. Como vivenciá-la em uma explanação doutrinária, sem atingir melindres?
O melindre é algo da esfera subjetiva do interlocutor. Não é possível, por essa razão, evitá-lo de todo, assim como não é possível, em comunicação. Entretanto, é predeterminarmos o comportamento do outro, diante de nós. Quem busca realizar um tipo de relacionamento com os outros no qual a diferença do outro é sempre levada em consideração, dificilmente se relacionará melindrando pessoas, mesmo sabendo que, repito, o gesto do outro nunca é inteiramente controlável e, se o for, não será prática de fraternidade.

Duas perguntas correlatas:

[02] A linguagem utilizada nos periódicos espíritas não é muito acessível às camadas mais simples da sociedade, podendo comprometer o interesse e o entendimento.
Como o senhor vê isso? Esses livros não acabam por excluir essas classes?
[03] Por esse motivo, os livros “espíritas” com linguagem simplória e de certo apelo emocional fazem sucesso, mas, nem sempre, enquadram-se na base que é Kardec. Alguns chegam a ser absurdamente anti-doutrinários, passando informações equivocadas. Como o senhor vê isso?
Certamente. O Espiritismo tem se constituído no Brasil um movimento de camadas médias e altas em grande parte pela exigência intelectual que fazemos. Há, contudo, outras opções que não o abastardamento marketeiro de nossos textos. Há a possibilidade, por exemplo, de estabelecermos formas dialógicas de tratar a linguagem espirita. Não há qualquer problema em estabelecermos formas diferenciadas de dizer, adaptando o conhecimento espirita às culturas, até porque é normalmente isso o que tem ocorrido com o nosso movimento, ao longo do tempo. O modelo brasileiro de Espiritismo é um caso típico disso. A inserção das camadas mais humildes nas nossas práticas e o compartilhar de idéias com elas demanda estarmos atentos aos seus modos de vida e de construção do saber. Daí, portanto, a opção que procurei citar. Ao invés de simplesmente querermos pregar o Espiritismo (uma forma não assumida de conversionismo religioso), devemos “dialogar” com eles.
 [04] Tecnologia ou vivências. Como conciliá-las na comunicação juntos aos carentes sócio-economicamente falando?
Tecnologia e vivências não são conceitos obrigatoriamente díspares. Colocar a tecnologia a serviço do ser humano é um dos desafios da sociedade atual, altamente desenvolvida em termos tecnológicos. Sobretudo se entrarmos na filosofia de que comunicação não é uma técnica, mas uma ética de relacionamento, veremos que as possibilidades de comunicação repousam justamente no âmbito das vivências compartilhadas. Se tais vivências são ou não tecnologicamente mediadas é uma outra questão, que envolve assuntos de amplitude econômica e política. De toda forma, o conceito de comunicação que lhes apresento, conectado ao pensamento ético, e nesse caso a uma ética de fraternidade, demanda muito, muito mais do que tecnologia para se desenvolver. Demanda disponibilidade afetiva e racional dos interlocutores, que é justamente a esfera das vivências e experiências dos sujeitos sociais.
 [05] Uma mesma mensagem – chegando ao cúmulo da similaridade total de vocábulos – pode ser transmitida de várias maneiras diferentes. Pode humilhar ou ajudar, pode acuar ou instruir, pode derrubar ou consolar. Podemos dizer que até as palavras como: “Vai com Deus” podem ser recheadas de ódio e de repúdio na boca de quem as expele. Quando o amigo situa a comunicação, como situar, além das palavras, o sentimento ou não de fraternidade, a partir dessa constatação?
Esse é, amigo, exatamente o tema sobre o qual tenho estudado. Em comunicação, a ação não se resume no dizer. É como se, de qualquer coisa que digamos ou escrevamos, nos não construíssemos o significado sozinhos. Você pode dizer algo sem nenhum ódio, e ser assim interpretado. É que linguagem é coisa inevitável e irremediavelmente compartilhada. Veja o caso do Espiritismo, por exemplo.
Podemos cuidar ao exagero, como algumas instituições que conheço, dos conteúdos espiritas, e, mesmo assim, surgir da parte de nossos interlocutores interpretações bastante diferentes daquela que tínhamos pretendido. Esse assunto foi, durante esse século, muito estudado pelos teóricos da linguagem. Hoje, é praticamente unânime a tese de que só somos donos do que dizemos ao dizermos. Depois, é como se nossas palavras tomassem vida própria e ficassem à deriva das interpretações alheias. Isso, que para o nosso senso comum, parece problema, se tomado de uma perspectiva ética, faz emergir uma impressionante compreensão do ser humano, que, nesse fenômeno, se manifesta livre, ou quase livre, nos seu processo de interpretação. É irremediável. Deus nos fez assim.
[06] As refrações e difrações devem estar no meio e/ou no caminho da divulgação. Entretanto, como manter fiel a “Moral” da proposta?
Trabalho com a ideia de que as refrações e difrações no âmbito da mensagem são irremediáveis, inevitáveis. Logo, toda pretensão purista, em relação a quaisquer textos ou doutrinas (e a nossa não é exceção) fracassa. Não por irresponsabilidade ou desatenção de quem quer que seja. Fracassam porque na prática da vida as pessoas desconstroem e reconstroem a mensagem. A saída, portanto, é buscar uma ética. Uma ética de relacionamento. Uma ética de fraternidade, entendida como estabelecimento do respeito as diferenças dos outros.
Comunicar-se não é, pois, passar uma mensagem com fidelidade;, ou seja copiar na cabeça do outro o que pensamos e, assim, dominar os pensamentos dele. Comunicar é construir com ele um relacionamento de diálogo, de aprendizado mútuo, de respeito as diferenças, de amor, enfim.
[07] Uma comunicação pode ser forçada, isto é, pode ser que haja uma tendência à dominação, ao sugestionamento do receptor, de maneira a levá-lo a mais ignorância do que a informação. É o caso do carisma mal utilizado. No entanto, esse tipo de “comunicação” se dissolve com o advento da consciência do dominado. É partindo desse princípio que o Espiritismo não adota em suas práticas o proselitismo?
A sua pergunta parte de um pressuposto que gostaria de, rapidamente, discutir. O pressuposto de que o “emissor” ao enviar uma mensagem, pode eventualmente dominar o “receptor”, lançando-o a ignorância e a desinformação.
Isso, de fato, pode acontecer, dentro de circunstâncias institucionais, extra-linguísticas, de totalitarismo e opressão total. Entretanto, os estudos históricos e de linguagem têm demonstrado que essa possibilidade tem sempre seus limites. É como se o sujeito humano jamais pudesse ser completamente dominado. Há um filósofo francês (Emmanuel Lévinas) que disse que só há um modo de dominar completamente um ser humano: matando-o. Mas, por ironia, quando o matamos, perdemos definitivamente o domínio sobre ele…
A proposição que lhes trago é anterior, portanto, a essa possibilidade. Não basta a intenção do emissor. É preciso que haja contextos de aceitação de sua intenção, que haja “negociação” de sentidos e significados com os “receptores”. Por isso, a relevância da questão ética e a premência de que essa ética seja uma ética do diálogo, da permuta afetiva e da intercompreensão racional.
[08] O Ibope é uma modalidade de medida do sucesso material. Na doutrina espírita, qual seria essa medidor para avaliar a qualificação do comunicador, sem ativar egos?
Acho que o nosso critério deve ser qualitativo. A pergunta que normalmente faço, nos estudos de sociologia do movimento espirita, é: que tipo ou que qualidade de relação é estabelecida? Por exemplo, estou atualmente estudando uma instituição que adota todas as práticas espíritas recomendadas pelas Federações, menos os ritos de mediunidade, nos quais ela faz um certo sincretismo com ritos de umbanda.
A pergunta que faço nessa pesquisa não é se ela está ou não seguindo os rituais de mediunidade da forma como eu acho que devam ser praticados, mas que qualidade de relação os espíritos travam com os encarnados. Há amor? Ha compreensão mútua? Ha caridade e fraternidade vividas? Eis o que acho deva ser o critério do Espiritismo: um critério ético, que nos conduza a um processo de transformação das vivências sociais, e não a guerras a respeito dos sentidos e das interpretações. Quando fazemos, em nosso meio, as guerras de interpretação e visão doutrinária, julgamos defender o Espiritismo, quando apenas o estamos defendendo teoricamente. Pelo simples fato de estarmos fazendo guerras interpretativas. Ora, amigos, isso me parece uma forma contemporânea de fundar de novo as cruzadas e os movimentos internos de exclusão. Dai porque considero, humildemente, que o nosso primeiro critério tenha que ser a ética.
 [09] Em muitas vezes a resposta pacífica não surte os efeitos imediatos desejados. Em algum ponto é necessária energia para que se consiga alcançar a mensagem o destino correto. A fraternidade e a energia podem conviver harmoniosamente uma com a outra?
Isso depende dos efeitos que se deseja obter. Normalmente o efeito pretendido pelos grupos religiosos (e o nosso, apesar de ter suas peculiaridades, não me parece tão diferente assim) é o de converter o outro para as “nossas verdades”. Tal pretensão parte do princípio que toda ideia diferente da nossa está errada pelo próprio fato de ser diferente. Essa pretensão fere de morte a ética da fraternidade, que é, sobretudo, ética de respeito a diferença dos outros e, até de nos colocarmos na postura de aprendermos com a diferença dos outros. A resistência do outro a essa pretensão é, pois, uma reação mais do que legítima. Fazemos isso normalmente, quando os pastores evangélicos surgem gritando na nossa televisão. Não aceitamos a conversão, o falar que não ouve o outro, a pretensão monológica de verdade. E os outros fazem isso com os nossos programas de televisão também, quando eles se sentem assim.
Se, contudo, a nossa pretensão é a de estabelecer a fraternidade na comunicação com o outro, a coisa muda de figura. Ao fracassarmos, porque estaremos orientados pelo outro, nosso gesto será o da compreensão, o da espera por ele. Não precisaremos concordar com ele, mas jamais o violentaremos, mesmo que indiretamente, por isso.
Há uma pessoa que há anos me chama a atenção, como pesquisador, na prática desse tipo de ética, no campo da política: Gandhi.
Gandhi soube como raros conciliar desobediência civil com não violência. E, para não ficarmos apenas fora do Espiritismo, o Chico Xavier é também um caso extraordinário de ética de fraternidade.
 [10] Como o senhor vê a dificuldade de certos expositores ao levarem a sua parcela no trabalho da divulgação, por falta de pessoas responsáveis não darem a chance aos que iniciam nessa atividade?
Tenho observado que muitos expositores são assim tratados em virtude do excesso de zelo de dirigentes espiritas. Tenho sugerido a dirigentes assim que compreendam que a palavra dita não é assim tão controlável. E que o ambiente espirita, para ser rico, precisa agremiar a diversidade das opiniões e interpretações. Que, na duvida, dialogue. E só parta para ações mais drásticas se o diálogo for inviabilizado pelo interlocutor. Mas, que, sobretudo, compreenda que errar é próprio de espíritos em nosso estágio evolutivo. Que nós aprendemos errando. E que cercear a boa vontade alheia, tentando acertar, pode ser também um equívoco.
Enfim, mais vale estabelecer o relacionamento fraterno com o outro, praticando a doutrina no relacionamento real, do que buscar defender a doutrina na teoria e romper com ela na pratica do relacionamento.
 [11] Jesus transmitia suas mensagens a todos os povos, todos os níveis de instrução, todas as culturas. Dividiu a história em duas e sua palavra continua modificando vidas e convertendo ações até os dias de hoje. Jamais a Terra conheceu um comunicador de maior porte e penetratividade. A que se deve essa excelência na comunicação de Jesus, que continua sempre atual e crescente no mundo, apesar de todas as mudanças desde sua vinda?
Creio sinceramente que a personalidade extraordinária de Jesus marcou a história e a mentalidade humana porque amou como ninguém. Nas próprias palavras dele e nos testemunhos dos evangelistas, podemos encontrar sinais disso. Ao final do sermão da montanha, encontramos Mateus comentando que as pessoas que o ouviram comentavam, extasiadas: “Ele falava como quem tinha autoridade, e não como os escribas e fariseus.” Isto é, suas palavras eram expressão de sua vida, de sua ética.
O que transforma o mundo, amigos queridos, o que gera credibilidade e força para as nossas palavras, não é a técnica ou a tecnologia que utilizamos, mas a força de auto doação, de relacionamento efetivo que emprestamos a ela. O mundo se muda na prática. As teorias podem nos orientar, nos instruir e até nos estimular. Mas o fator transformador por excelência é a pratica viva do amor. Eis, segundo sinceramente creio, a força extraordinária do Cristo, dos primeiros cristãos e dos apóstolos e santos de todas as épocas e religiões.
 [12] Como o Senhor entende por um trabalhador na divulgação da doutrina espírita encontrar dificuldades para levar as suas reflexões sobre vários assuntos da doutrina, por exemplo sobre os fluidos, os fenômenos mediúnicos, transcomunicação instrumental e tantos outros assuntos onde as casas espíritas não estão acompanhando os avanços das informações e da ciência?
Tais dificuldades são perfeitamente compreensíveis, graças às enormes exigências de especialização que o desenvolvimento da cultura cientifica contemporânea nos fazem. O sr. identifica tais dificuldades no Espiritismo, onde se faz tão pouca ciência, imagine quando fizermos pesquisas amplas e sérias, quando investirmos nosso tempo e nosso recurso nas construções filosóficas e científicas que os tempos exigem!
De sorte que temos que encarar isso com a naturalidade possível. Primeiro, buscando dar ao Espiritismo o que temos de melhor (no meu caso, dedico-me a pesquisa não porque me acho melhor do que os outros, ate porque é uma profissãozinha bem mal remunerada, mas é porque não sei fazer nada melhor). E, segundo, buscar disponibilizar ao máximo, em forma de diálogo, de aprendizado mútuo, os conhecimentos obtidos. Não vale sabermos sem democratizarmos o nosso saber. A ética, contudo, é a do dialogo. Mesmo se o assunto for especializado. O exemplo de Jesus e de Kardec nos lecionam preciosidades a respeito dessa didática.
 [13] Frente a todo o cientificismo e toda a complexidade literária do mundo moderno, onde as teorias acerca dos seres humanos, as regras e as formalidades se multiplicam, como encarar a escolha que fez Jesus de pescadores para prosseguirem sua mensagem ao invés de letrados e dominadores de todas as regras e todas as leis? Até que ponto o mundo precisa da complexidade da comunicação e até que ponto precisa simplesmente de simplicidade e direção corretas? Que outros meios de comunicação dispõe o espírito que não a palavra? Sabemos que muitos daqueles que viam Jesus nem lhes ouviram as palavras, mas ao trocarem olhares com ele foram invadidos de uma força interior e de uma clareza de pensamento, de tal modo que modificaram a sua vida para sempre. Um desses é nosso querido Paulo de Tarso. Onde nós podemos colocar essa ordem de comunicação, que transcende as palavras?
Na Ética da fraternidade. Jesus sabiamente escolheu para si pessoas que teriam espirito de sacrifício e de renúncia para amarem os outros sem exigências, cumprindo na prática o que ele ensinara. Não pretendeu, aparentemente, criar teorias – para isso havia a Grécia na época. Não quis, ao que parece, fundar instituições. Sua pretensão era eclodir a prática do amor, que inclui mas ultrapassa o conceito de justiça, preocupação prevalecente na época. Ele devia saber que, como disse Gandhi neste século, “quando um único homem atinge a plenitude do amor, neutraliza o ódio de milhões”; E, para isso, a escolha certa teria mesmo que recair sobre pessoas simples, que são, ate hoje, os grandes agentes de transformação social – mas de uma transformação subterrânea, que se efetua nas vivências das culturas subalternas, e que, muitas vezes somente séculos depois convertem-se em instituições sociais estáveis.
O nosso problema hoje é que somos apressados demais. Mas a pressa constrói pouco e apenas superficialmente. A prática efetiva da fraternidade é a comunicação em sua potência máxima, que, sem agredir ou coagir a quem quer que seja, vai transformando de forma radical e profunda a humanidade e a história. Quando houver um movimento religioso ou filosófico que coloque isso como principal em suas práticas – e espero que nós, espíritas, sejamos um desses – esse movimento transformará a Humanidade para sempre.

sol nas almas

Considerações Finais do Palestrante:

Bem, amigos. Foi uma experiência silenciosa e vibrante, essa de entretecer relações com vocês. Para encerrar, gostaria de, primeiro, deixar-lhes disponível o meu e-mail, para quem se interesse por esse assunto, ou, de forma geral, por pesquisa na área da ética ou da sociologia do Espiritismo: signates@jornalista.net
E, por fim, gostaria de despedir-me repetindo as palavras de Jesus, quando deixou-nos um critério áureo de identidade. Coisa particularmente importante, nesses tempos em que, entre nós, tanto discutimos sobre o que é e o que não é espirita.
Num momento em que tanto nos queixamos das formas diversificadas com que a imprensa e o povo nos vêem, desejosos de sermos vistos como nós mesmos nos vemos. Enfim, num momento em que a nossa identidade cultural nos parece tão importante, deixo como despedida a regra que Jesus traçou para que nós e os outros reconheçamos os seus autênticos discípulos: “Os meus discípulos serão reconhecidos pelo muito que se amarem”; Que Deus abençoe a todos e a cada um, agradecendo por mim a oportunidade de interlocução.

Muito obrigado.

pássaro livre

Oração Final:

Querido Mestre Jesus, obrigado por mais esta chance de nos reunirmos sob as asas reconfortantes do teu esclarecimento que perpassa os séculos a amparar, ajudar e orientar os Espíritos. Que sejamos, após essa reflexão, Senhor, com a tua guia, os comunicadores da Boa Nova nas mãos daqueles que jazem estendidos e sem esperança, no sorriso daqueles que choram, na presença daqueles que estão na solidão, na força daqueles que estão caídos. Que a linguagem perene, universal e eterna do amor seja nossa única ferramenta em tudo o que fizermos. Que nossas palavras sejam sempre recheadas e acompanhadas de sentimentos de paz e de união. Que o nosso espírito possa tocar não somente aos ouvidos, impressionando o ar, mas também o coração, impressionando o Universo pela força do amor que é dádiva do Pai. Comunicador Maior de nossas vidas, ajuda-nos sejamos teus mensageiros para aqueles que, menos felizes do que nós, nem mesmo te conhecem. Abençoa-nos sempre a iniciativa de sermos os médiuns da vida, e que em teu nome o amor se faça presente em nós, e em todo o ambiente que nós passarmos, hoje e sempre. Muito obrigado.

Que assim seja!

Palestra Virtual – Promovida pelo IRC-Espiritismo
Palestrante: Luiz Signates – Goiânia – EM 07/01/2000

coração espírita

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