Que é Caridade ?
O homem é, ao mesmo tempo, um ser muito singular e muito fraco. É singular no sentido de que, mesmo em meio aos fenômenos que o cercam, não deixa de seguir a sua rotina, espiritualmente falando. É fraco porque, depois de ter visto e ter-se convencido, ri porque seu vizinho riu e não pensa mais naquilo. E notai que aqui falo, não de seres vulgares, sem reflexão e sem experiência. Não. Falo de gente inteligente e, na maioria, esclarecida.
Autor: Lamennais
Fonte: Revista Espírita, agosto de 1860 – Ditados espontâneos e dissertações espíritas – A eletricidade espiritual.
Que é a caridade?
É o atributo especial da alma que, em suas ardentes aspirações para o bem, se esquece de si mesma e se consome em esforços pela felicidade do próximo.
Autor: De Grand-Boulogne, doutor em Medicina, Antigo vice-cônsul da França.
Fonte: Revista Espírita, agosto de 1860 – CONCORDÂNCIA ESPÍRITA E CRISTÃ
A caridade vem de dentro
Jorge Gomes
Revista de Espiritismo nº. 34 – FEP
Caridade. Para o espiritismo é a virtude máxima. É indiscutível que começa em casa, e, em síntese, é o amor em movimento.
Na óptica espírita, o oposto da caridade é o egoísmo. Ela é generosa, ele é mesquinho.
Não está em causa o maniqueísmo resultante das concepções que se recusam a ver o ser humano como alguém submetido ao trabalho da sua própria evolução: todo o bem de um lado, do outro o mal. Herculano Pires já dissertou com mestria sobre a função do egoísmo nos horizontes evolutivos de onde vimos, via reencarnação, na sua obra «Curso Dinâmico de Espiritismo». O egoísmo é uma forma de comportamento que estamos a abandonar e que encontra as suas causas profundas no eterno desejo de estar bem, embora siga, é claro, pelo caminho errado. Ser não é possuir. Estar não é ser.
Não justifiquemos por isso o egoísmo, a que estamos a deixar de tender, quando se percebe que já temos condições de melhorar.
Essa tendência no percurso evolutivo de qualquer pessoa é parecida com a corrente de um curso de água na busca do oceano. Os rios, a partir da nascente, são rápidos, de leito abrupto, mas amansam à medida que atingem o mar e que envelhecem. Na evolução é também assim. E estamos no início, não nos iludamos.
Tão inconsciente é essa tendência de sermos egoístas, como se compreende, que agimos com ele, vindo de nós próprios, nas suas diversas roupagens sociais – a veste familiar, o pano comunitário e a farda nacional.
Resultados
Viver por viver não satisfaz. É importante viver bem. Seja neste plano de vida material, seja no Além. O egoísmo resseca, desalenta, infelicita. O amor refaz, desanuvia, alegra, e jamais se desgasta, tanto mais quanto mais depurado é. Isso porque é a meta evolutiva a que tendemos, em estágios mais amadurecidos.
A caridade – nada mais que o amor em movimento – é a grande desconhecida. Passa na história da Humanidade com personagens memoráveis, e assim sonhamos tê-la connosco. O grande problema é o de a conquistar: ela não se compra nem se transfere de uns para outros. Adquire-se, construindo-a no imo. Não é um objecto.
Também não é obra construída de agora para logo ou de hoje para amanhã, como um produto acabado. O psiquismo humano é complexo, como se se compusesse de diversas camadas que se justapõem numa individualidade una e única.
Um mergulho de superfície na caridade não é de desperdiçar. Mas daí a acreditar-se que o problema de a assimilar é imediato e rápido vai um longo caminho que desmente essa ilusão: o da experiência.
É compreensível: evoluir, amadurecer espiritualmente, não é seguir regras de fora para dentro, memorizar, mas sim debater ideias, estudar, aprender, testar, vivenciar para constituir sabedoria. E esta, património irreversível (quando muito apenas ocultado temporariamente via reencarnatória ou outra), segundo as situações concretas, verte atitudes luminosas de dentro para fora, sem esperar ou desejar aplauso, que não seja o da sua consciência feliz.
Ser e parecer
Caridade não é «caridadezinha». Temos uma amiga cuja prática é admirável. Integra uma equipa diretora de uma associação de proteção à infância. Há algum tempo houve um jantar beneficente ilustrado com quem dizem ser o herdeiro da extinta coroa portuguesa. Esgotados os lugares, entre os sócios houve uma senhora que ficou ofendida por não lhe reservarem bilhetes ao ponto de entre impropérios dizer que ia deixar de ser sócia.
É um exemplo clássico. A contribuição dessa senhora revoltada feita até à data não perdeu valor. Ela é que rejeita a alegria de continuar a colaborar na satisfação das necessidades dessas crianças em séria dificuldade. Essa mistura do egoísmo e do orgulho com a caridade não é coisa fácil de erradicar. Porquê?
Porque a evolução para ser real, autêntica, tem de ser amadurecida em todas as camadas do nosso psiquismo, das mais superficiais para as mais profundas, e só quando atinge, se sedimenta nestas é que se torna mais frequente.
Vejamos a definição elevada, sucinta, clara e completa de «O Livro dos Espíritos»:
Allan Kardec: – Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entende Jesus?
Resposta: – Benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias, perdão das ofensas.
Doação imaterial
Caridade é doação afetiva, desinteressada, espontânea. Traz aos destinatários um bem-estar real, não um gozo periférico. O espírito Emmanuel, numa mensagem ensina que ficamos apenas com o que damos.
Caridade é a fraternidade que acompanha o gesto, a atitude interior. Não é o gesto visualizado. Este pode apenas querer parecer, para merecer o aplauso mundano, conforme descreve o Evangelho.
Pensar nos outros, nas suas dificuldades. Ajudar… sem atrapalhar.
Neste cenário, contudo, quando uma mão se estende para auxiliar, torna-se necessário, em geral, que haja uma mão que queira receber. Este é um dos maiores entraves ao processo de aproximação que envolve a caridade. Os espíritos mais sábios sabem «convencer» o necessitado a aceitar a contribuição fraterna, ao cativá-lo, sensibilizando-o.
A caridade vai-se sedimentando no nosso comportamento tanto mais quanto mais o quisermos, sem angústias ou pressas. E começa nas mais pequeninas coisas. Às vezes ajuda refletir no lado bom das pessoas mais próximas, em casa, no trabalho, na rua, ou das circunstâncias. Pensar na caridade sem ser de cima para baixo, como sendo eu o bom e o outro o desgraçado. Somos seres que caminhamos lado a lado, todos necessitados do amparo recíproco. Temos momentos melhores umas vezes, de outras têm os outros.